Press release NÃO é anúncio, nem matéria-paga

Por Paulo Sérgio Pires

Um dos equívocos mais recorrentes na Comunicação Integrada é a confusão entre a propaganda e a assessoria de imprensa, por isso a importância de abordar o tema “Press release não é anúncio”. Boa parte dos executivos no Brasil entende que a narrativa de um anúncio pode ser a mesma que a de um press release, o que é uma falha grave tecnicamente falando. O press release quando surgiu há mais de um século foi uma resposta do empresariado americano à imprensa da época, demostrando uma perspectiva do outro lado da questão para um conflito social.

Contam os livros, que o press release e a assessoria de imprensa surgiram em 1914, quando o magnata norte-americano dos negócios John Rockefeller solicitou apoio profissional do jornalista Ivy Ledbetter Lee. Na época, a tradicional família Rockefeller estava sendo duramente criticada pela opinião pública com o noticiário negativo de suas empresas por causa de atritos com seus funcionários, em virtude das péssimas condições de trabalho, de então. A estratégia de Lee foi divulgar uma versão mais humanizada dos irmãos Rockfeller, o que chamou atenção da imprensa da época, que por sinal, era bastante sensacionalista.

Lee criou na oportunidade a principal ferramenta de assessoria de imprensa, o press release ou news release, ou seja, em tradução literal, notícia solta, notícia distribuída, ou ainda comunicado de imprensa. Acompanhando aquele inédito texto noticioso, o jornalista enviou um bilhete anexo, que mais tarde se tornou a Declaração de Princípios de Lee, que sintetiza bem o objetivo e filosofia desse trabalho até hoje:

“Este não é um serviço de imprensa secreto. Todo nosso trabalho é feito às claras. Nós pretendemos fazer a divulgação de notícias. Isto não é um agenciamento de anúncios. Se acharem que o nosso assunto ficaria melhor na seção comercial, não o usem. Nosso assunto é exato. Maiores detalhes sobre qualquer questão serão dados prontamente e qualquer diretor de jornal interessado será auxiliado, com o maior prazer, na verificação direta de qualquer declaração de fato. Em resumo, nosso plano é divulgar, prontamente, para o bem das empresas e das instituições públicas, com absoluta franqueza, à imprensa e ao público dos Estados Unidos, informações relativas a assuntos de valor e de interesse para o público.”

Considerada e aceita essa premissa, por consequência, uma das piores coisas que um press release pode conter é uma narrativa publicitária, como excesso de adjetivos, palavras elogiosas, bajulatórias, sedutoras e açucaradas que são absolutamente comuns nos anúncios, mas impróprias no jornalismo de qualidade. Já presenciei editores riscarem ou eliminarem todos os qualificativos dos textos enviados e um desses jornalistas mais severos, ao perder a paciência, transformou o release numa bola de papel, arremessando-a sumariamente para o cesto de lixo, mesmo tendo interesse no conteúdo.

Desta forma, quanto mais o release se aproximar de uma notícia, mais chance ele tem de ser publicado na mídia digital, eletrônica e impressa. Isso é fato. O primeiro princípio do release é que seu conteúdo deve ser útil ao leitor, internauta, telespectador ou ouvinte, e auxiliá-lo de alguma maneira, inclusive na tomada de decisão. Por outro lado, o interesse do cliente que usa assessoria de imprensa deve ser submetido primeiro aos anseios do receptor. Se o cliente desejar ter êxito no uso desse instrumento, o receptor será o soberano nesse processo.

Diretrizes editoriais

Segundo o Manual de Redação da Folha de São Paulo, todo release em princípio deve ter um ‘gancho’, ou seja, ter alguma razão que lhe dê atualidade e interesse geral para justificar sua publicação. Os jornalistas devem procurar o gancho de suas matérias e explicá-las ao leitor. Um release precisa conter informações novas, incomuns, interessantes ou significativas para o destinatário. Eles são produzidos de forma estruturada, seguindo uma técnica estabelecida e não aleatória, livre e pessoal. Cada palavra deve ser pensada cuidadosamente e as frases articuladas jornalisticamente como uma matéria jornalística habitual. É tolerável apenas um leve toque corporativo, mas muito sutil.

Conforme o livro Assessoria de Imprensa na Era Digital, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, o press release é escrito como texto de jornal e é um relato da matéria contado em uma ou duas páginas. Essa tipologia editorial contém as respostas básicas das questões ‘quem, o quê, onde, quando, por quê e como’ nos dois primeiros parágrafos. O press release de fato é um resumo dos fatos sobre um tema para o qual queremos a atenção da mídia.

É apresentado em um formato padronizado e seu principal critério é o de ter ‘valor-notícia’ para ser publicável. O texto deve seguir a técnica da pirâmide invertida, citando as informações por ordem de importância de modo que os editores possam identificar facilmente os fatos principais e também cortar o que não lhe interessa, sem prejuízo do restante escrito. A informação-chave corresponde ao topo da pirâmide e as informações menos importantes à base.

O Press release não é anúncio, pois serve como subsídio adicional para o trabalho jornalístico, seu conteúdo pode ser alterado livremente na redação, reduzido, reescrito, publicado na íntegra, servir como pauta para jornalistas, inclusive guardado para o futuro, ou simplesmente ignorado se não tiver relevância para a

opinião pública, aos olhos do editor. Mas em nenhum momento, caso seja aproveitado parcialmente o totalmente, o veículo exigirá compensação monetária do seu emissor ou de sua assessoria de imprensa, se for terceirizada.

Já o Manual de Assessoria de Imprensa da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) define o release como uma ferramenta que a assessoria usa para organizar as informações que está divulgando. “Trata-se de um texto, cuja essência é a informação”, ressalta o documento. Por seu lado, o professor Vasco Ribeiro, da Universidade do Porto, lembra no seu artigo acadêmico O peso do Press Release no processo de produção de notícias, que ele é tido como a mais importante técnica de assessoria de imprensa.

Conforme Ribeiro, muitos são os estudos que provam os altos índices de eficácia deste suporte na indução de notícias, mas quase nada se conhece sobre o seu processo de produção. O autor em suas pesquisas analisa com que propósitos e de que forma o press release é elaborado para ter a aceitação dos jornalistas, assim como entender o processo de transformação que estes textos sofrem até serem publicados como notícias finais.

Filosofias diferentes

O usuário de assessoria de imprensa ou divulgação jornalística precisa estar ciente, portanto, que ele não pode pensar no press release da mesma forma como trabalha com um anúncio publicitário. Se desejar que uma reportagem de seu interesse tenha o conteúdo exato de um anúncio comercial terá o recurso do publieditorial, publirreportagem, informe publicitário, matéria paga, informe comercial, publicidade redacional ou editorial, advertorial, ou mais recentemente no contexto do que trata o marketing de conteúdo ou publicidade nativa, e de outras novidades, que na essência é uma forma de publicidade suavizada ou abrandada, conforme variantes à disposição. Todas as formas de informe publicitário, vale ressaltar, são pagas, ou regiamente remuneradas, já que as variáveis do trabalho são controladas pelo anunciante, ao contrário da divulgação tradicional do release, que tem outro processo decisório de aproveitamento.

O Código de Ética Publicitária do Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária, seção 6, dispõe em seu artigo 30, que “ a peça jornalística sob a forma de reportagem, artigo, nota, texto-legenda ou qualquer outra que se veicule mediante pagamento, deve ser apropriadamente identificada para que se distinga das matérias editoriais e não confunda o consumidor”. Os influenciadores digitais, inclusive,

também são instruídos pelos respectivos publishers das redes sociais a explicitarem quando se trata de material comercial ou deixarem claro que recebeu uma contrapartida financeira ou oferenda do respectivo anunciante/patrocinador/parceiro (conhecida como ‘arroba’).

Separações

Na teoria da comunicação há um famoso conceito retirado da história, que se chama separação entre ‘igreja e estado’. Trata-se de uma metáfora que se apropria do conceito político de clara separação entre o estado e a igreja, da mesma forma que o jornalismo e a publicidade. A imprensa filosoficamente deve ser independente, soberana, sólida, imparcial e não submissa às diretrizes publicitárias, portanto não misturando conteúdos específicos. Afinal, ninguém compra ou assina um veículo impresso, online, ou eletrônico para ler em princípio anúncios ou assistir vídeos de publicidade. Todos querem informações relevantes, que inclusive possam gerar conhecimento.

Na Linguística há também separações narrativas claras entre publicidade e jornalismo. Os estudos dizem que a função referencial ou denotativa do jornalismo deve “transmitir uma informação objetiva, expõe dados da realidade de modo objetivo, não faz comentários, nem avaliação. Geralmente, o texto se apresenta na terceira pessoa do singular ou plural, pois transmite impessoalidade”.

Já a função fática, que é da publicidade, tem como objetivo estabelecer uma relação de proximidade entre emissor e receptor, um contato para se certificar que a mensagem está sendo recebida ou para se estender à conversação. Esta função fica clara quando, por exemplo, se diz: Está entendendo? Ou quando você recomenda num anúncio: “Compre, experimente, vá, pegue, lembre-se, etc.”

Assim fica mais claro a identificação do que é anúncio ou mensagem comercial (publicidade) e notícia (jornalismo) e reforça que o press release não é anúncio. O release ainda que tenha inspiração na notícia jornalística e às vezes na reportagem e na nota, tem peculiaridades e naturalmente embute interesses empresariais ou corporativos por trás do texto divulgado e isso fica muito claro para os jornalistas na redação, mas nem sempre para os receptores. O release para se tornar efetivamente notícia passa por um filtro chamado edição jornalística.

Para finalizar esse longo artigo, convém lembrar ainda o que o pai da assessoria de imprensa e hoje também das relações públicas, Ivy Ledbetter Lee, declarou certa vez sobre a relação organizações e imprensa: “Toda empresa deve ser transparente, falar sempre a verdade, se a verdade pode prejudicar a empresa, que se mude a empresa para que a verdade seja boa”.

Sobre o Autor: Paulo Sérgio Pires é jornalista, publicitário e professor de Comunicação. É gerente de atendimento na Vervi Assessoria e Comunicações. É pós-graduado/especialista e mestre em Políticas de Comunicação pela ECA/USP, onde também foi pesquisador-bolsista.

Deixe um comentário